quinta-feira, 25 de junho de 2009

A vida num sopro


"Começou a convencer-se de que o mundo não tinha significado nem propósito; existia simplesmente, com desprendimento, alheio ao espantoso sofrimento que as suas regras implacáveis ditavam. Cada vida é um tragédia imensa para quem a vive, mas cruelmente insignificante à escala do universo. Os seres vivos sofrem e o mundo mostra-se estranho a esse sofrimento, encarando-o com indiferença, aceitando-o como fazendo parte da ordem natural das coisas, como se a dor fosse o motor da existência, a iniquidade o seu preço. Cada desejo procura satisfação, cada obstáculo gera sofrimento. Mesmo a satisfação de um desejo apenas suscita felicidade temporária; logo a seguir vem um novo desejo, de novo travado por mais um obstáculo, o que significa que a existência é sempre luta, o sofrimento omnipresente, a felicidade efémera. Caramba!, pensou enquanto cogitava sombriamente sobre a tragédia da vida. Olhem para Dante, que não teve qualquer dificuldade em imaginar o Inferno... Bastou-lhe ir buscar os elementos que já existiam no mundo e, pimba!, eis o Inferno! Mas, oh!, quando chegou a hora de conceber o Céu, aí é que foi o cabo dos trabalhos! O grande poeta não teve artes para imaginar o Céu porque não havia neste mundo nada que o inspirasse para conceber o Paraíso! Nada! Meu Deus, não será isso a prova mais completa de que nós afinal vivemos no Inferno?"


(A vida num sopro, José Rodrigues dos Santos)

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